Campina Grande, 24 de novembro de 2008

Estimado Papai Noel,


Eu estou de saco cheio, mais cheio do que o teu saco, que, aliás, ultimamente tem estado vazio e caído. Estou de saco cheio de todo Natal ter que te escrever uma carta em vão e você nunca dar as caras por aqui. Poxa vida! Será que é difícil demais tirar cinco minutos do seu tempo pra me visitar? Desde os cinco anos, que é quando me lembro de começar a lembrar das coisas, que passo a madrugada do dia 24 a antecipar sua chegada. E veja só meu desespero, aos dezoito, criando barba e bigode, pelos em tudo que é lugar, um calombo na minha garganta crescendo, e eu aqui a escrever pra você, seu velho babão! Estou até envergonhado.


Sei que é difícil de achar meu quarto no meio de todos estes cômodos, tantas salas, tantas portas. Eu mesmo me perco às vezes. Por isso evito tanto sair da cama. Mas achei que você fosse um ser fantástico, para quem as barreiras labirínticas de mansões não fossem problema. Imaginei que alguma das suas renas tivesse o faro bom para encontrar meninos perdidos em casa, aquela que tem o nariz que pisca... Pelo visto é só efeito especial mesmo.


O caso, Noel, meu velho, é que se você não vier neste Natal, sinto muito informar, deixarei de acreditar em você. Já não basta eu não ter nem pai, nem mãe em casa nesta data, e em nenhuma outra – há muito já desacreditei do Coelhinho da Páscoa, porque além de nunca ter me dado sequer um bom-bom, ainda é bicho, e em bicho traiçoeiro eu não confio mesmo –; meus pais viajam muito para garantir o sustento e a manutenção dessa casa enorme e das tantas outras que nós possuímos. De modo que não posso recriminá-los por isso. Já você, Noel, cuja única obrigação é visitar instantaneamente as crianças uma vez apenas durante o ano inteiro, não consegue sequer cumprir com este compromisso tão simples. Estou decepcionado.


Esta carta não é para pedir-lhe nenhum presente, especificamente, embora muito me faria feliz se você aparecesse com algum (aliás, seria de muito mal gosto seu, vir aqui depois de tantos anos e não me trazer nada). Não estou nem lhe cobrando os dezessete presentes que me deve. Apenas venha. Estou disposto a ouvir as suas justificativas, e sinto-me muito à vontade a perdoar. Contanto que venha. Um minuto ou dois, quem sabe um pouco mais, pra nós conversarmos. Tenho algumas coisas entaladas que preciso dizer a alguém, mas não tenho amigos e os empregados aqui de casa não são muito inteligentes.


Suponho que você descarte alguns pobres coitados da lista, todo ano, de modo a não perder a hora na véspera. Imagino qual seria seu critério para isso. Se for por rodízio, quando seria o meu ano de você vir? Mas tudo isso podemos tratar quando vier, e se não vier, também não importará mais, já que ano que vem não te esperarei.


Tomaremos um café. Você vai gostar de café, pra quem mora em um lugar tão frio... Pode vir aqui às sete horas da noite, pra não atrapalhar seu itinerário, que sei que é muito corrido. Não vindo à meia-noite, você me poupa de outra madrugada insone de dezembro e ainda poderemos conversar desapressadamente.


Mando esta carta com um mês de antecedência, que é para não ter nenhuma desculpa esfarrapada de atraso de correspondência.


Afetuosamente,

P.M.R.


P.S.: É mais conveniente que você não venha a caráter. Não temos chaminés, e o porteiro é muito pidão, vai alugar teu ouvido; ele tem uma penca de filhos... Invente um nome comum, Noel das Neves serve. Ah, e se não for pedir demais, apara um pouco a barba, pra não dar muito na vista...



(Por Sidney Andrade)